quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com nossos cérebros / The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains


Em 2014 vi esse livro pela primeira vez numa livraria e, como de costume quando me interesso por algum livro, tirei uma foto e arquivei para comprá-lo em outra ocasião. 

Até que, em Abril de 2015, me deparei com ele enquanto garimpava no sebo do meu bairro. Comprei imediatamente, mas não iniciei a leitura. No semestre seguinte, fiquei sabendo que ele seria analisado e discutido numa disciplina do mestrado. Era o momento certo de lê-lo. 

Embora não aparente, o livro discute um tema que está intimamente ligado à leitura e ao modo como compreendemos aquilo que lemos.

Sem mais delongas, compartilho o que escrevi na época:


É notável que a mais revolucionária tecnologia deste século, a Internet, esteja modificando hábitos e procedimentos há muito tempo estabelecidos. Mais ainda, está modificando nossa forma de pensar. A mente linear, calma, focada e sem distrações está em processo de transição. Cada vez é mais difícil manter a concentração numa atividade ou leitura sem ser interrompido. Nossa mente está sendo estimulada a buscar avidamente por cada vez mais informações. E nessa busca os caminhos nem sempre são lineares, antes são entrelaçados e interligados como uma rede. O conteúdo da informação encontra-se apenas na superfície, e aprofundá-lo é cada vez mais extenuante.

Nicholas Carr destaca que a cada novo meio de comunicação criado ocorrem discussões sobre as mudanças que ele trará para a sociedade. No entanto, essa discussão muitas vezes é concentrada apenas nos conteúdos que ela veicula, quando na verdade é o meio que deveria ser discutido e observadoEle nos alerta que não é o conteúdo que altera nosso modo de percepção e assimilação, mas a plataforma por onde é veiculado esse conteúdo.
"O conteúdo de um meio é apenas o 'apetitoso naco de carne que o ladrão leva para distrair o cão de guarda da mente'" (p.14). 

Outro ponto levantado é sobre uma possível transição no modo de pensamento humano (normalmente um processamento linear) por consequência desses novos meios. 
“Como sugeriu McLuhan, os meios não são meramente canais de informação. Fornecem o material para o pensamento, mas também moldam o processo do pensamento” (p. 19). 
Nossa mente está mudando. O nosso modo de leitura está sendo influenciado pelo meio onde o texto está inserido. O modo de pensar concentrado e linear está sendo interrompido por uma variedade de possibilidades de distração. Semelhante a um condutor que guia seu carro e encontra vários outdoors chamativos que conduzem a caminhos diferentes que podem chegar ao destino desejado, ou não. Esses outdoors podem ser associados ao hipertexto, tecnologia facilitada e popularizada com a Internet que possibilita ligar os assuntos semelhantes e complementares de um texto proporcionando a simplificação do acesso com a distância de apenas um clique. 

A informação que dantes estava contida apenas em formato textual de livro tradicional, que precisava ser analisado para se tentar uma compreensão da mensagem do autor, está cada vez mais sendo substituída por uma informação que é servida por demanda. Basta uma rápida busca online para encontrar o que deseja, no entanto a praticidade inerente no processo e a ansiedade por mais informação (e quanto mais rápido melhor), está nos conduzindo a aceitar explicações cada vez mais simplistas, apenas para aquela demanda. 

Situações como essas nos leva a crer numa transição do modo de pensar. Do pensamento linear para o pensamento em rede, que rapidamente nos conduz para outros pensamentos e distrações que nos tira o foco da atividade inicialmente planejada. E, ainda, conduz o indivíduo a tentar ler cada vez mais rápido e pular de página em página para se manter informado.

Estas percepções deixam espaço para uma série de questionamentos: 
  • Será mesmo que este novo modo de pensar, buscar informações e assimilar conhecimentos, em que se utiliza um espécie de 'escaneamento' (superficial) de conteúdos realmente trará resultados positivos para a humanidade em longo prazo? 
  • Visto que todo o avanço tecnológico que temos hoje foi fruto de um modo de pensamento linear, este novo modo de pensar trará conhecimentos relevantes em longo prazo? 
  • O que, de fato, pode estar acontecendo com o nosso cérebro diante de tais estímulos tecnológicos?


Para compreender o modo como as tecnologias estariam transformando o cérebro humano, Nicholas Carr nos apresenta um pouco do histórico de estudos sobre o cérebro. 

Até a primeira metade do século XX os estudos sobre o cérebro e seu funcionamento afirmavam teorias de que o cérebro adulto não seria capaz de sofrer modificações. Associado a um maquinário que era programado e exerceria sua função durante toda vida útil. No entanto, estudos começaram a comprovar a plasticidade cerebral. De fato, o cérebro sofreria estímulos que o conduziam a reagir de um modo ou de outro.

O conceito de plasticidade harmonizou correntes filosóficas da mente que divergiram por séculos. Por um lado, John Locke defendia que a mente humana nasce em branco (tabula rasa) e os conhecimentos seriam adquiridos das experiências vividas; por outro, Immanuel Kant, afirmava que nascemos com “modelos” mentais que determinam a forma de perceber o mundo. O Empirismo e o Racionalismo, de fato, se complementam.
“Essas conexões geneticamente determinadas formam os modelos inatos de Kant, a arquitetura básica do cérebro. Mas as nossas experiências regulam a intensidade, ou a ‘efetividade de longo prazo’, dessas conexões, permitindo, como Locke sustentava, o remodelamento continuado da mente e a expressão de novos padrões de comportamento” (p. 48).
A partir de estudos sobre a reação do cérebro às lesões vieram as primeiras evidências da neuroplasticidade. Percebeu-se que o cérebro reage aos estímulos a que é submetido e se molda fortalecendo suas ligações internas de acordo com a repetição de atividades físicas ou mentais, de modo a transformá-las em hábitos. 

Exemplo disso é a atividade de dirigir. No início é um pouco trabalhoso para o cérebro assimilar todo o conjunto de comandos e executá-lo, mas conforme o número de repetições, essa atividade, que dantes era preciso pensar de modo consciente antes de executar cada movimento, se transforma em procedimentos automáticos. Torna-se um hábito, pois passamos a executá-lo sem muita (ou nenhuma) reflexão, os caminhos já estão bem definidos em nível cerebral. 
“As atividades rotineiras são realizadas cada vez mais rápida e eficientemente, enquanto que os circuitos não utilizados são podados” (p. 57).
Sejam bons ou maus hábitos, eles serão arraigados em nossos neurônios. Pode-se concluir que a qualidade dos nossos hábitos irá determinar nossas potencialidades cerebrais.  
“(A neuroplasticidade) fornece a todos uma flexibilidade mental, uma elasticidade intelectual que nos permite adaptarmo-nos a novas situações, aprender novas habilidade e expandir nossos horizontes de um modo geral” (p. 56). 
Contudo, a depender do hábito adquirido, ele poderá limitar nosso cérebro.

A tecnologia que criamos modifica o modo de percepção do mundo. Ela dita o ritmo do tempo. Embora seja “uma expressão da vontade humana” (p.69), ela exerce mudanças que vão além do que o seu criador pode imaginar. 

Dois exemplos básicos que hoje nos parece bastante inerente, natural são apresentados por Carr – o relógio e o mapa – instrumentos que junto com outras tecnologias conseguiram moldar a civilização atual. Ambos inseriram novas metáforas ao modo de assimilar o mundo. O relógio trouxe a percepção do tempo dividido em unidades iguais que poderia ser usado para cronometrar as atividades, o mapa inseriu uma percepção de espaço, de compreensão do todo. Indo mais além, tecnologias para a caça e agricultura trouxeram consequências ao padrão de crescimento populacional. 

Segundo Carr, cada tecnologia transmite uma mensagem aos seus usuários e, embora nem sempre seja percebida, ela exerce influencias sobre quem a usa. Esta mensagem é a ética intelectual ela é “a mensagem que um meio ou outro instrumento transmite às mentes e cultura de seus usuários” (p. 71).

Para compreender melhor sobre a influência da tecnologia para a formação da civilização, são utilizados dois conceitos – o determinismo tecnológico e o instrumentalismo tecnológico. O determinismo compreende a tecnologia como “força autônoma fora do controle do homem” (p. 71); enquanto que os instrumentalistas veem a tecnologia como “artefatos neutros, inteiramente subservientes aos desejos conscientes dos seus usuários” (p. 72).

Contudo, o autor demonstra maior apreciação pela visão determinística de perceber a tecnologia, pois nem sempre é possível, de fato, escolher usar ou não um instrumento, muitas vezes eles já fazem parte da vida cotidiana como aspecto natural e já modificaram o significado de uma atividade que no passado era vista de forma diferente. 

Veja, por exemplo, o significado de escrever uma carta. No passado foi o meio mais rotineiro de se comunicar com pessoas que se encontravam distantes. Havia um significado especial desde a preparação até a escolha das palavras (quase poéticas), uma expectativa pela resposta. Atualmente, muitos não compreendem o significado desta experiência, há uma gama de possibilidades para se comunicar. 

A escrita é um exemplo do poder de mudança que uma tecnologia pode exercer na civilização. Foi rejeitada por uns, “ela implantará o esquecimento nas suas almas: eles cessarão de exercer a sua memória porque confiarão apenas no que está escrito, trazendo as coisas à lembrança não mais de dentro de si, mas com o auxílio de sinais exteriores” (p. 82 – Aristóteles no diálogo entre Fedro e Tamus). 

Outros recomendaram cautela, “Sócrates reconhece que há benefícios práticos em capturar os pensamentos de alguém na escrita [...] mas defende que a dependência da tecnologia do alfabeto alterará a mente de uma pessoa e não para melhor” (p. 83). 

E ainda há os que a defendiam. Platão defendia a “nova tecnologia da escrita e do estado mental que ela encorajava no leitor: lógico, rigoroso, autoconfiante” (p. 84), pois elas tornavam possível o “pensamento analiticamente filosófico” (p. 84) graças aos efeitos que escrita exercia nos processos mentais.

Para contribuir com a discussão, Nicholas Carr faz um apanhado histórico sobre o significado da escrita e da leitura desde o seu surgimento e apresenta de forma brilhante sua evolução e influência para formação da sociedade atual. 

De fato, a escrita foi a tecnologia que transformou nossos processos mentais da tradição oral para a escrita. Ela moldou a forma como vemos o mundo e conhecemos as coisas no contexto atual. Em princípio vemos que o legado da palavra oral, que era a maneira mais popular (quase única) para se comunicar no mundo antigo, ainda permaneceu moldando o modo de escrever e de ler por muito tempo. 
“A leitura silenciosa era quase que inteiramente desconhecida no mundo antigo” (p. 89). 
Visto que a comunicação oral era o principal modo vigente de comunicar, a escrita nasce influenciada por esse legado. Os livros eram escritos sem espaços entre palavras. De fato, se observarmos, não falamos com pausas entre cada palavra, falamos de forma contínua. Por esse motivo, “eles estavam simplesmente transcrevendo a fala, escrevendo o que seus ouvidos lhes diziam para escrever” (p. 90). 

De modo semelhante, o ato de ler não era da maneira que estamos familiarizados nos dias atuais. Ao longo do tempo a tecnologia criada começa a modificar a maneira de ler e de pensar. Até o momento em que alguém começa mudar a forma de ler (que era comumente em voz alta) e lê de modo silencioso, tal comportamento com o ato de ler e escrever era compreendido como uma tarefa bastante laboriosa e de grande intensidade cognitiva, privilégio de pouquíssimos. A partir desse momento não seria mais necessário uma pessoa ao lado para lhe falar seus pensamentos e ideias, de modo equivalente, não seria necessário ditar suas ideias para um copista. 

A colocação de espaços entre as palavras e a criação dos sinais de pontuação foi tornando a leitura mais simples e proporcionando uma maior capacidade de concentração e reflexão. Ler e escrever tornou-se o ato de decodificar e codificar pensamentos em símbolos. 
“À medida que o cérebro se torna mais apto a decodificar um texto, transformando o que envolvia um exercício de resolução de problemas em um processo essencialmente automático, pode dedicar mais recursos à interpretação do significado” (p. 93). 
Todo o caminho percorrido para descrever as implicações e consequências das tecnologias da escrita e da imprensa nos possibilita perceber que, assim como o computador e a internet, elas surgiram a fim de melhorar as condições de um processo e, no entanto, foram além do esperado. Quebraram paradigmas e costumes antiquíssimos, assim como foram o marco para revoluções inimagináveis na forma de pensar e comunicar.

Carr demonstra como grande parte das tecnologias intelectuais – o rádio, a reprodução de músicas e vídeos, a câmera fotográfica, o livro, etc – foram incorporados pelos computadores e pela Internet. É incrível como a maioria das atividades convencionais que antes eram analógicas está se tornando digital. A cada dia, mais objetos que possuíam sua utilidade individual estão sendo incorporados à internet e ao computador. Tudo em um!
“Uma vez que a informação é digitalizada, as fronteiras entre as mídias se dissolvem. Substituímos as nossas ferramentas especializadas por um meio polivalente” (p. 127). 
No entanto, quando a Internet absorve uma mídia ela adiciona atributos que muda o modo como interagimos com o conteúdo em seu formato tradicional. De fato, a Internet modificou nossos hábitos intelectuais.
(A Internet) “[...] recria-a à sua própria imagem. Não somente dissolve a forma física da mídia; injeta hiperlinks no conteúdo da mídia, quebra o conteúdo em porções buscáveis e circunda o conteúdo com os conteúdos de todas as outras mídias que absorveu. Todas essas mudanças da forma do conteúdo também mudam a maneira como o usamos, experimentamos e mesmo o compreendemos” (p. 129). 

O livro, como tecnologia intelectual tradicional, é a que mais tem resistido à influência da web. Ele ainda carrega um conjunto de características que não pôde ser capturado por completo na sua versão digital. O grau de afetividade, como o cheiro e a possibilidade de guardar um autógrafo do autor ou dedicatória, o nível de interação com o livro físico, na possibilidade de anotar, marcar, rabiscar, manusear são alguns dos atributos pelo qual muitos leitores (inclusive eu) preferem a plataforma tradicional. 

No entanto, é conhecido o esforço em desenvolver tecnologias que possibilitem maior interatividade com o conteúdo projetado na tela. A tecnologia que não necessita da emissão de luz para projetar as palavras na tela, a possibilidade de marcar e fazer anotações com um teclado ou uma caneta virtual são alguns exemplos dos atributos do aparelho leitor de livros digitais (ebook reader). Tais ebook readers têm se tornado cada dia mais populares. Porém, os seus criadores não se contentam com as “limitações” do livro por si só. São acrescentadas as possibilidades de acesso à internet, links externos, consultas à dicionários e outras facilidades. 

E, como vimos em exemplos e evidências anteriores, essa mudança na plataforma também modifica a essência da leitura e da interação com o conteúdo. A linearidade e a atenção na leitura são sacrificadas.
“A linearidade do livro é quebrada, junto com a calma atenção que encoraja o leitor” (p. 147).

Diante das evidências apresentadas até o momento, o autor lança uma questão crucial: 
“O que a ciência nos diz sobre os reais efeitos que o uso da internet está tendo no modo como nossas mentes funcionam?” (p. 161). 
O ambiente da Internet proporciona momentos de distração e de ‘pulos’ entre diversos conteúdos em períodos de tempo reduzidos. Nossa mente não se concentra em conteúdos que requerem maior atenção e, para obter os mesmos resultados de uma leitura linear num ambiente calmo é requisitado muito mais esforço que o normal. 
“De uma maneira muito real, a web faz com que retornemos ao tempo da scriptura continua, quando a leitura era um ato cognitivamente extenuante” (p. 170). 
A intensa atividade de tomar decisões de navegações, avaliar links, se distrair com propagandas, acaba sacrificando os resultados adquiridos com a leitura. O tempo que deveria ser para compreensão do pensamento do autor, criação de significados e comparação com experiências vividas é preenchido por repetidos momentos de distração. Isso explica nossa impaciência para ler artigos longos na internet, a sensação é de que estamos perdendo tempo sem consultar as mais recentes e instantâneas notícias em tempo real. 

E, dificilmente conseguimos apreender o que foi lido por muito tempo. Carr nos mostra que temos dois tipos de memórias: a memória de trabalho, mais superficial, uma espécie de bloco de rascunho da mente; e a memória de longo prazo, que permanecem por mais tempo na nossa mente. 

Contudo, para registrar as informações e experiências na memória de longo prazo requer maior concentração e atenção ao conteúdo recebido. 
“A divisão da atenção exigida pela multimídia estressa ainda mais nossas capacidades cognitivas, diminuindo a nossa aprendizagem e enfraquecendo a nossa compreensão” (p. 180). 
Sem a atenção necessária nos tornamos meros consumidores ou processadores de dados. Ao deslocar nossa atenção entre os conteúdos temos que pagar o “custo de comutação”. Esse custo é o comprometimento da nossa interpretação do texto, do significado da atividade desempenhada.
“Toda vez que deslocamos nossa atenção, o nosso cérebro tem que se reorientar novamente, exercendo mais pressão sobre os nossos recursos mentais” (p. 184). 
Nosso comportamento não é o de quem cultiva o conhecimento, mas o de quem coleta informações. A cada dia fica mais arraigada a percepção de que não é muito útil manter a atenção para internalizar determinada informação para transformá-la em conhecimento, pois é muito mais fácil buscar a informação conforme a necessidade. A informação estará disponível para acessá-la sem muito esforço, basta um clique ou um comando de voz.

Para fundamentar ainda mais suas conclusões sobre como a tecnologia do computador e da internet está nos modificando, Nicholas Carr apresenta a mais conhecida empresa da internet, a Google. Ele nos mostra que esse comportamento superficial que nos conduz à constante migração entre conteúdos não é por acaso. 

O principal negócio, o que realmente traz lucros para a Google são as propagandas, o espaço alugado para veicular propaganda aos usuários dos seus serviços. Embora gratuitos, contribuímos em todos os seus serviços ao permitir que eles coletem dados sobre nosso comportamento ao utilizar seus produtos. 

E através do estudo dos nossos dados eles podem oferecer propagandas de modo mais personalizado, de modo a satisfazer as “necessidades” dos usuários dos seus produtos e serviços. Ou seja, quanto mais rápida e superficial for a navegação, mais a Google fatura!
“Quanto mais rapidamente surfamos na superfície da web – quanto mais links clicamos nas páginas que vemos – mais oportunidades a Google tem de coletar informações sobre nós e nos suprir com anúncios. [...] Cada clique que damos na web assinala uma quebra da nossa concentração, uma ruptura de baixo para cima da nossa atenção – e é interesse econômico da Google assegurar-se de que cliquemos o mais frequente possível. A última coisa que a companhia gostaria de encorajar é a leitura vagarosa ou o pensamento lento, concentrado. A Google está, bem literalmente, no negócio da distração” (p. 215). 
Com a missão de “organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil” (p. 209), a Google tem se tornado cada dia mais inerente em nossas atividades diárias e mais comuns. A busca pela prometida eficiência nos leva a esvaziar a mente e nos tornar cada vez mais dependentes da tecnologia desde as atividades mais simples. 

É cada vez mais comum delegar atividades, desde as mais simples, como anotar pensamentos e ideias em seus aplicativos, até as mais complexas, como planejar nossa rota de viagem para lugares desconhecidos, agendar compromissos, guardar e compartilhar fotos pessoais. 

Tais comportamentos, cada vez mais comuns e facilitadores, distrai a grande maioria para as consequências disso. “A Google divulgou que não estará satisfeita até que acumule ‘100 por cento dos dados dos usuários’” (p.220). Projetos e ações expansionistas como o Google Book Search – que objetiva digitalizar TODOS os livros do mundo para torná-lo acessível e buscável online – conduz (ou deveria) a questionamentos sobre as consequências futuras de tal monopólio do conhecimento. 

Além disso, quais as consequências do desmembramento do livro, que por natureza apresenta uma reflexão elaborada e profunda sobre determinado tema? 
“Tornar um livro encontrável e buscável online é também desmembrá-lo. A coesão do seu texto, a linearidade do seu argumento ou narrativa, enquanto fluem através de muitíssimas páginas, é sacrificada” (p. 226). 
Isso deveria, no mínimo, nos fazer parar para refletir sobre o futuro do conhecimento. No entanto, as distrações são mais atrativas, é mais fácil e cômodo continuar surfando. Carr alerta sobre a necessidade de dividir o tempo entre coletar dados e o tempo de contemplação. 
“O problema hoje é que estamos perdendo nossa capacidade de manter um equilíbrio entre esses dois estados mentais muito diferentes. Mentalmente, estamos em perpétuo movimento” (p.230).
O capítulo 9 – Busque, memória – conduz o leitor para o argumento central do livro. Ele responde ao questionamento sobre o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. 

Carr relembra a observação de Sócrates de que a escrita e a leitura nos faria menos dependentes da nossa memória. De fato, as tecnologias da escrita e leitura não foram os grandes vilões para a não priorização da memória individual, pelo contrário, elas até aprimoram a memória humana. Mas esse alerta de Sócrates se aplica perfeitamente às tecnologias mais contemporâneas como a internet. As tecnologias que derivam da internet e as que são ligadas à ela nos conduz a transferir nossa memória pessoal, interna, aos aplicativos externos proporcionados pela internet. Essa é uma das consequências do ambiente superficial da internet aos nossos cérebros.

A associação do cérebro à metáfora do computador tem nos induzido a pensar na memória humana como uma memória apenas de armazenamento, como a memória da máquina. No entanto, a memória humana é muito mais complexa e elaborada, é o ambiente de elaboração de novos conhecimentos, de algo novo e único, não ambiente de repetição e reprodução. 

A vida acelerada dos últimos séculos tem transportado nossa memória para um suporte externo onde só podemos acessar/ consultar quando desejamos. 
“Em vez de memorizar informações, nós as armazenamos digitalmente e apenas nos lembramos de onde a armazenamos” (p. 248). 
A internet está conduzindo a humanidade a substituir a memória interna pela simples busca e recuperação de informações. Basta lembrar onde está armazenada e acessar. O comportamento superficial de interação com informações no ambiente da internet está modificando nosso processo natural de memória interna.

Um dos fatores que nos faz humanos é a nossa capacidade de aprendizado e de associar experiências passadas guardadas na memória com novas informações. 
“Nós não restringimos as nossas capacidades mentais quando armazenamos novas memórias de longo prazo. Nós as fortalecemos. A cada expansão da nossa memória corresponde um aumento da nossa inteligência” (p. 262). 
A nossa memória de trabalho só passa a ser internalizada e consolidada em memória de longo prazo quando associada ao fator ‘atenção’. A atenção é fator indispensável para consolidar a memória de trabalho. 
“Se não formos capazes de prestar atenção à informação na nossa memória de trabalho, a informação durará apenas enquanto os neurônios que a guardarem mantiverem a sua carga elétrica – uns poucos segundos no máximo” (p. 264). 
Sem a atenção a memória não se consolida e a informação recebida não se associa às experiências passadas para gerar conhecimento. Além de não consolidar a memória por falta de atenção, pela repetição, treina o cérebro a processar a informação de forma rápida e distraidamente. 
“E, mais uma vez graças à plasticidade de nossas vias neurais, quanto mais usamos a web, mais treinamos nosso cérebro para ser distraído – para processar a informação rapidamente e muito eficientemente, mas sem atenção continuada” (p. 265). 
É possível sentir esse treinamento negativo do cérebro quando tentamos nos concentrar em um texto longo e denso após gastar algumas horas em intensa atividade no ambiente acelerado da internet. (Faça o teste!)

Essa terceirização da memória humana para a máquina se desdobra em possíveis consequências em longo prazo. Visto que a memória pessoal passa a ser comprometida sem uma consolidação adequada, ela também irá comprometer outra característica que nos diferencia dos outros animais, a formação da cultura. Pois, “a memória pessoal molda e sustenta a ‘memória coletiva’ que [por sua vez] fundamenta a cultura” (p. 267).

Diante do exposto, tal percepção deveria inspirar cautela na interação com as tecnologias, em especial aquelas que derivam da internet. As tecnologias são vias de mão dupla, enquanto oferecem a ampliação de capacidades humanas, passa a subdesenvolver essa mesma capacidade. 

Nossa capacidade de realizar determinada atividade sem auxílio externo é comprometida, acentuando nossa dependência da tecnologia para desenvolver procedimentos que já foram naturais. Ao ceder aos softwares nossa capacidade de pensar perdemos nossas habilidades, mesmo que a eficiência do processo seja beneficiada.
“As ferramentas da mente amplificam e por sua vez amortecem as mais íntimas, as mais humanas capacidades naturais” (p. 286). 
Mais ainda, quando passamos a delegar o processo de uma atividade às exigências e métodos da máquina, podemos chegar ao ponto de apenas reproduzir ações programadas sem a devida reflexão. 

Pois, qualquer máquina ou software segue um script, ou seja, é programada para repetir determinado processo de uma mesma forma. E, ao deixar-nos conduzir pelo método já programado, o processo criativo e alternativo para realizar a mesma tarefa é comprometido. 
“Os softwares podem acabar por transformar as mais íntimas e pessoais atividades humanas em ‘rituais’ irrefletidos, cujos passos estão ‘codificados na lógica das web pages’. Em vez de agir conforme o nosso conhecimento e intuição, seguimos os movimentos” (p. 296). 
O maior alerta é para que a nossa relação com a máquina / a internet, não acabe nos tornando tão semelhante à máquina, retirando nossa essência humana. 
“Um dos maiores perigos que enfrentamos ao automatizarmos o trabalho das nossas mentes, ao cedermos o controle do fluxo de nossos pensamentos e memórias a um poderoso sistema eletrônico [...] é uma lenta erosão do nosso caráter humano e da nossa humanidade” (p. 298).

E você, o que acha? Comente.


2 comentários:

  1. Olá! Conheci esse livro através de um vídeo resenha no youtube. Procurei para comprar mas o preço estava muito alto. Que sorte encontrar em um sebo hein! Ele parece ser mesmo muito interessante.

    Espero uma oportunidade para adquiri-lo também.

    Abs.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Realmente foi um achado! XD
      O conteúdo é muito esclarecedor, vale a pena a leitura.
      Espero que encontre mesmo.

      Abs,

      Excluir